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Uniatismo e Ortodoxia



As Diferenças entre o Movimento Sui Iuris e a Ortodoxia


Minha vivência mais aprofundada no Catolicismo Romano, foi predominantemente no Catolicismo Oriental, também chamado de uniatismo. Mas o que é o uniatismo?

 

Uniatismo, especificamente, se refere aos termos de duas uniões entre Católicos Romanos e comunidades oriundas da Ortodoxia, Brest (século XVI) e Uzhhorod (século XVII), mas há uma essência, além destes dois termos de união, que permeia todos os acordos de união entre Roma e comunidades orientais: Unia, para os romanos, significava (quiçá ainda significa) submissão total ao Bispo de Roma, muito diferente da noção de Koinonia, presente na Igreja do primeiro milênio. Por tal essência, presente em todas as outras igrejas orientais que se uniram à Roma (além das de Brest e Uzhhrod), alguns acabam se referindo a todos os católicos orientais (romanos) como “uniatas”. Dado isso, usarei o termo “uniata” também em tal concepção.

 

Os uniatas são fruto das missões ocidentais, especialmente de franciscanos e jesuítas. Desde o Grande Cisma de 1054, Roma se viu isolada do Oriente Cristão e desejava “reconquistar” tais territórios, com sua concepção cada vez mais radical de “supremacia papal”, em que tais “cristãos separados” deviam se submeter ao Papado - tal ato de submissão seria o suficiente para serem considerados “católicos”.

 

No caso do Oriente Médio, as cruzadas foram a grande oportunidade para o investimento de missões em meios aos cristãos orientais (ortodoxos, não-calcedonianos e até assírios-nestorianos). Já no Leste Europeu, entre os ortodoxos eslavos, tal movimento fora impulsionado por anseios geopolíticos de nações de cultura ocidental (Polônia e Hungria, por exemplo), aliado às pretensões papais de “reconquista” de tais territórios (vide a disputa entre Roma e Constantinopla pela jurisdição da Bulgária, na época do Patriarca São Fócio).

 

O fato importante a ressaltar, que independente da localidade (Leste Europeu ou Oriente Médio), o modus operandi dos missionários latinos era o mesmo:

a penetração nas estruturas das igrejas orientais e sua gradativa assimilação às tradições e modos latinos (oriundos do ideal da supremacia romana diante das demais comunidades cristãs). Com especial atenção entre os ortodoxos, Roma sempre teve a pretensão de, através da infiltração de seus missionários, conseguir assimilar a Ortodoxia ao máximo à mentalidade Católica Romana.

No caso do Patriarcado Antioquino, onde tiveram maior penetração no Oriente Médio, por conta de diversos problemas que afetavam tal Patriarcado, conseguiram se infiltrar na formação dos padres e até criaram “partidos” no Sínodo do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia. Isso culminou numa série de crises no Patriarcado Antioquino, que deixou Antioquia muito latinizada, tendo abandonado até o culto a São Gregório Palamas (grande santo ortodoxo contra a infiltração de ideias ocidentais), também houve uma profissão de fé católica romana feita pelo Patriarca Atanásio III Dabbas (que recebeu formação inicialmente dos jesuítas) e finalmente o cisma na Igreja Ortodoxa de Antioquia, sendo o surgimento dos uniatas melquitas, a Igreja Católica Greco-Melquita.


No Leste Europeu a coisa não foi diferente, os uniatas serviram como parte de um plano geopolítico para a fragmentação e latinização da Rússia e da própria Ortodoxia. Tais uniatas seriam gradativamente latinizados (vide o Sínodo de Zamosc), enquanto que os jesuítas trabalhavam na latinização dos próprios ortodoxos, principalmente na Ucrânia, onde tinham mais liberdade, com o mesmo modus operandi dos missionários ativos no Patriarcado Antioquino, obviamente, com suas devidas proporções.

 

Após esta contextualização sobre o uniatismo, em minha experiência pessoal, fui um ávido defensor do uniatismo e do ‘projeto Católico Romano de Ecumenismo’, nos moldes pregados por renomadas e sérias figuras da Igreja Greco-Melquita, na qual estive por quase dez anos, sendo os últimos como seminarista, com ciência patriarcal e tudo. Eu era da ala ‘pró-ortodoxa’ da qual expliquei mais acima, me dediquei a entender profundamente a mentalidade oriental e ortodoxa, porque acreditava piamente no adágio jesuíta que justificava o uniatismo - “diversidade na unidade”.

 

Como todo ‘melquita pró-ortodoxia’, sabia muito bem que havia um desafio para os melquitas sinceros e para os demais uniatas, especialmente bizantinos: a luta contra a latinização. Inspirado em nossos teólogos uniatas e nos próprios escritos papais defendendo a dignidade e diversidade de tradições num seio romano, tinha um ideal de que isso era possível, na prática, pois só assim NÓS E O ECUMENISMO seriam vistos com seriedade por parte dos ortodoxos (algo semelhante fora dito pelo Patriarca Melquita, Gregorios III, numa audiência geral, em Roma, apelando à Igreja Latina).

 

Também estava ciente da existência de uma outra parcela, que pensava exatamente o contrário: uniatas que defendiam uma assimilação, mesmo que discreta, às tradições latinas - as igrejas uniatas vivem nesta divisão basicamente, ao longo dos séculos. Sempre foi um desafio para mim, viver nesta práxis, porém como seminarista, eu passei a sentir a realidade de uma forma menos ‘idealista’ e mais ‘prática’. A minha postura e mentalidade era constantemente questionado por companheiros de ambiente eclesiástico, inclusive da parte do clero.


No Brasil, há uma pressão absurda, tanto interna (dos uniatas) quanto externa (da Igreja Latina), para se viver uma práxis ASSIMILADA (LATINIZADA) à da Igreja Latina. Posteriormente eu concluí que é por uma questão de supremacia, sim, a velha Supremacia Romana, que em locais onde o episcopado latino é grande e atuante, tal imposição é clara e evidente: na prática, os uniatas devem se contentar em viver sua práxis e tradição conforme os limites que os latinos lhe dão, tanto na diáspora, quanto nos seus próprios países de origem, com raríssimas exceções, como é o caso dos EUA, onde o Episcopado Latino e o próprio país não são historicamente tão ligados à Igreja Latina, também é estratégico manter os uniatas mais ‘puros’, pois é um modo de barrar o crescimento da Igreja Ortodoxa, que desde a segunda metade do século XX, tem tido crescimento considerável em diversas jurisdições.

 

Quando você pensa no Oriente Médio, origem dos próprios melquitas, lá é também um território onde Roma exerce o seu poder e presença, historicamente sabemos o quanto Roma quis marcar sua presença, não hesitando aos conflitos com as demais confissões cristãs, especialmente os ortodoxos. A própria Igreja Greco-Melquita, uniata, é fruto do empreendimento do ‘Imperialismo Eclesiástico Romano’, a fim de dividir e confundir os ortodoxos. Então obviamente, Roma exercerá a sua presença, mesmo que hoje diplomática (após o Vaticano II, Roma abriu mão do poder diretamente impositor), mas ainda eficiente de exercer influência sobre os uniatas - o resultado é muito claro, nos próprios países de origem, na maioria das vezes, os uniatas também sofrem com a latinização.


Só os propagandistas latinos, que não conhecem as tradições orientais a fundo e nem querem conhecê-las, que vendem ainda o adágio de “unidade na diversidade” para os mais incautos. A realidade prática demonstra que uniatas e ortodoxos estão cada vez mais distantes, a mentalidade uniata vai sendo cada vez mais ocidentalizada e perdendo a originalidade que tinham, o ‘rito diferente’, acaba sendo um mero detalhe, pois a essência e cosmovisão ortodoxa vai se perdendo cada vez mais.

 

Tais conclusões eu tive em vivências reais quando seminarista; via a forma como os nossos clérigos tratavam a presença latina e como eles concediam ATÉ VOLUNTARIAMENTE ao espírito latino, como meros ‘vassalos num território alheio’. Ao mesmo tempo, via a forma como me viam: minha mentalidade pró-ortodoxia, não podia ser suportada num território como o Brasil, ser oriental até a ‘página 2’, não entrar em ‘temas polêmicos’, mesmo que eu estivesse seguindo a mentalidade dos próprios melquitas sérios como, Joseph Tawil, Maximus IV, Elias Zoghby, assim como a própria Geração do Cairo (teólogos melquitas prestigiados). Inclusive, aconselho que leiam melhor sobre Elias Zoghby e sua proposta, ele foi um homem que ousou propor a Roma a sair do discurso e ir para a práxis; sua proposta foi desacreditada e ‘abafada’ por Roma.

 

Paróquias uniatas sofrem também com um lobby de católicos mais tradicionalistas. Eles procuram as paróquias uniatas como alternativa ao Novus Ordo, além da Missa da Tridentina. Suas atuações em alguns ambientes uniatas são de verdadeiro controle, eles pensam claramente que os ritos orientais devem estar em conformidade com as tradições latinas. Com isso tudo, vemos que o uniatismo, passa longe de cumprir o seu papel proposto inicialmente, acabam sendo apenas ‘extensões comuns’ da Igreja Romana.

 

Neste cenário todo, eu sofria boicotes de meu próprio Bispo como seminarista. Meu intuito era o apostolado para o ensino das tradições orientais, porém em diversos momentos recebi censuras claras e não podia tocar em assuntos considerados ‘polêmicos’, mas, na verdade tais ‘assuntos polêmicos’, eram tudo aquilo que poderia denotar à origem ortodoxa dos próprios melquitas. Uma vez um sacerdote de onde eu frequentava, me falou tal coisa em tom de provocação: “Você devia ir para os ortodoxos, lá é seu lugar. Cada um deve estar no local onde combina...”

 

Uma vez o próprio bispo também me repreendeu: “Você deve rever seus pensamentos ortodoxos…”

Ora, mas meu pensamento era apenas aquele defendido pelos próprios teólogos melquitas, eu apenas acreditei no adágio de “unidade na diversidade”. Meu erro foi acreditar ao ‘pé da letra’ no ‘projeto Uniata e de Ecumenismo’ com os ortodoxos?


Depois de muitos boicotes e até perseguições, me aprofundei em São Gregório Palamas, hoje meu onomástico. Nele tive a conclusão de que a práxis ortodoxa só pode ser vivida na própria Igreja Ortodoxa, não há propaganda, projeto uniata, que faça a Ortodoxia ser plena e verdadeiramente vivida, fora do seio da Igreja Ortodoxa.


Lendo São Gregório Palamas e me deixando levar mais profundamente ao ‘ethos patrístico’, eu vi que só conhecia a Ortodoxia pelo mero estudo, mas não a conhecia pelo principal, que era a vivência na Igreja Ortodoxa. Aquilo que eu lia há quase dez anos e que parecia tão simples, só passei a entender muito depois: a Ortodoxia é conhecida, pela vivência na Igreja Ortodoxa, ela não é apreendida pelo estudo técnico ou mundano. Parece palavrório, mas a Ortodoxia é de fato o adágio: “Vem e vê”.


Gregório Silva, fiel na Igreja Ortodoxa Grega - SP

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