Voltamos a citar nosso apologista latino anônimo com uma nova rodada de desinformações:
"É perda de tempo ficar estudando disputas doutrinárias de outra ordem: não há unidade entre os ortodoxos e uma parte considerável dos teólogos ortodoxos entende que quase todas as divergências são meramente semânticas."
E em outra postagem, perguntado se supostamente a Ortodoxia tivesse um "magistério infalível" em vez da Igreja de Roma:
"As Igrejas ortodoxas não têm as notas da Igreja. Além do mais, estude duas ou três igrejas e veja se elas têm unidade. Que magistério infalível seria esse?"
Para responder precisamos apresentar a eclesiologia ortodoxa da Igreja (repare que não dissemos a eclesiologia da Igreja ortodoxa). Eclesiologia é o estudo do que faz a Igreja ser a Igreja.
A eclesiologia da Igreja é holística, isto é, ela considera todos os elementos e o todo — que é a soma das partes — da Igreja. A Igreja em si, é conforme dizemos no Credo, o Símbolo da Fé: Una, Santa, Católica e Apostólica.
UNA
Na unidade encontramos a Cruz do Senhor. Num eixo encontramos a unidade no presente com os demais ortodoxos que vivem em nossa era, uma unidade "espacial", na qual, por una, entendemos precisamente que apesar de existirem igrejas locais, as 14 jurisdições conhecidas, elas formam uma só Igreja.
No primeiro milênio eram seis — os cinco patriarcados ortodoxos clássicos, Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, e a Igreja do Chipre que possuía auto-governo. Na transição para o segundo milênio Roma se separa da Igreja, e com a conversão dos povos eslavos começam a surgir as igrejas locais no Leste Europeu.
A Igreja, entretanto, permanece una, não apenas na fé, mas tanto no seu aspecto místico como Corpo de Cristo, quanto no aspecto de direito canônico, partilhando e cumprindo os mesmo cânones e recebendo os mesmos concílios.
Em outro sentido, encontramos a unidade "temporal" onde todos os cristãos ortodoxos, de todos os tempos, preservam a mesma fé, a mesma esperança, o mesmo ensino, o mesmo louvor e o mesmo amor. Estamos unidos com nossos irmãos de nosso tempo, mas também com nossos irmãos e pais que vieram antes de nós e que hoje encontram-se na Eternidade, e também com o que hão de vir e com quem possuímos a responsabilidade de transmitir fielmente — sem adição, subtração ou adulteração — aquilo que recebemos.
Como a Igreja é ela mesmo o Corpo de Cristo, ela não despreza o aspecto material de sua existência. Longe disso, como dizem os teólogos, ela é um corpo teantrópico, o divino-humano.
Sem unidade de reconhecimento mútuo, nos concílios, nos sínodos e nos cânones, não há materialidade da Igreja, não há materialidade da Encarnação de Cristo, sendo somente uma negação da existência da salvação por meio da Encarnação de Deus e da continuação de Sua Encarnação, que é a Igreja.
SANTA
É santa na medida em que somos glorificados pela Graça de Deus, pela co-participação em Deus, guardados os pré-requisitos da unidade. Nisto, tendo recebido a materialidade, o corporal, agora recebemos o espiritual, através de uma vida de amor e ascese, de jejum e caridade, de oração e arrependimento, de participação nos Santos Mistérios e de vivência da fé mesmo fora da Liturgia, de aperfeiçoamento do próprio caráter e de perdão para com o próximo.
O corpo e o espírito necessitam um do outro para viver. Separados, o primeiro se torna cadáver e o segundo, fantasma e sombra. Mesmo Deus que é o único puramente Espírito, em Seu profundo amor, escolheu corporificar-se entre nós, e fazendo-Se como nós, deu-nos a possibilidade de nos tornarmos como Ele.
CATÓLICA
É católica não no sentido de um nome, de uma placa de igreja, mas no sentido original da palavra grega καθόλου katholou, que deriva katholikos; significa: aquilo que é de acordo com o todo; esse todo que é o do Corpo da Igreja, atendido os requisitos da unidade e da santidade. Ou seja, não é um todo absoluto que inclui os que não pertencem à Igreja, nem tampouco os que se lhe opõem, e nem é um todo que inclui pessoas formalmente batizadas, mas que não vivem a fé que receberam. É o todo daqueles que possuindo os caracteres materiais e visíveis (sacramentos, canonicidade, unidade) "ativam" esses dons em uma vida santa — os próprios santos. São as vozes de pessoas como São Paisios, São Porfírios, São Nektários, São Kosmas da Etólia e tantos outros, em todos os lugares e todos os tempos em que a Igreja existe, pois, neles há tanto a unidade quanto a santidade.
Esse "todo" é também ênfase que se contrapõe à parte. A divisão em partes, cismas, partidos ou foco em elementos da Igreja, como em um bispo em particular, ou em um livro, é em si mesmo desligamento da vida da Igreja, pois quem o faz deixa de ser católico "de acordo com o todo" e passa a ser de acordo com alguma parte.
Ser "católica", como confessamos, significa a aplicação do que disse São Paulo: "Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher, porque todos vós sois um em Cristo Jesus". (Gálatas 3.28) — onde vemos que a unidade e a catolicidade são inseparáveis. O espírito de partido separa a pessoa ou grupo da Igreja. Assim poderíamos ousar completar o Apóstolo, dizendo também que não há dentro da Igreja esquerda, nem direita; rico ou pobre; branco ou mestiço; ocidente ou oriente; velho ou jovem; etnias, sexismos, minorias, enfim; identidade nenhuma além de ortodoxos, filhos de Deus e pecadores, pois todos somos um em Cristo Jesus.
Essa ausência de separações, entretanto, é graça que ocorre no seio da Igreja. Separados dela, somos como os convidados que não aceitaram o convite para o banquete, como o filho pródigo longe da casa do pai, estamos longe e fora da Igreja, submetidos de forma ainda mais intensa aos males e divisões do mundo.
Devemos sair da Babel da divisão de línguas em identidades e cismas, e retornar para o seio do Corpo de Cristo, dentro do qual a descida do Espírito Santo no Pentecostes desfaz a divisão de Babel, faz com que falemos "uma só língua" e nesta língua falemos todas e compreendamos todas.
APOSTÓLICA
A apostolicidade é o fiel da balança, especialmente para aqueles que não chegaram ainda mais aos mais altos graus de santidade. O ensino dos apóstolos nada mais é do que o ensino do próprio Cristo retransmitido por eles. Ensino esse que possui tanto elementos intelectuais quanto culturais, legais, terapêuticos, rituais e espirituais. Sempre corpo, mente e alma caminhando juntos,
Esse ensino apostólico — porque fixado no passado imutável — não está mais sujeito à mudança, servindo, dessa forma, como elemento de controle e de comparação, para que aqueles que ainda não vivem na plenitude da participação das Energias Divinas e, portanto, na visão teorética da Glória de Deus, possam — através desta forma indireta — conduzir-se para a teologia empírica e aplicada concretamente em suas vidas.
Conclusão:
Estas são as notas da Igreja, e só podemos saber qual a verdadeira Igreja por elas. A unidade ortodoxa da Fé está no Corpo de Cristo, a Igreja.
O que une a Igreja não é a figura de um homem, um bispo ou mesmo de um livro que definisse em si mesmo o que é fé.
A unidade da Igreja é uma unidade de Fé — e unidade real de Fé, em vez da agremiação de ensinos e espiritualidades opostas entre si, contraditórias, mas acomodadas pela "unidade de um líder" —, unidade de Sacramentos, de Credo, unidade no ethos, nos bispos, nos concílios, nos cânones e no amor mútuo.
"Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos".
Efésios 4.5,6
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